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Tá tudo na nuvem

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Sou responsável pela parte de TI (Tecnologia da Informação) de um hospital no interior do estado e, há pouco tempo, entrei numa tremenda briga com o diretor. Todos os médicos da cidade haviam abolido as fichinhas de papel e aderido ao uso de um programa de computador que organiza todas as consultas em um prontuário eletrônico dos pacientes, que pode ser consultado e receber mais dados a qualquer hora pelo médico que o está atendendo. É um sistema muito prático, que evita a perda de dados, documentos, exames e enganos com caligrafia ruim (a gente sabe, né?…).

Prontuário Eletrônico

Mas o problema foi o seguinte: um dia desses, recebemos aqui no hospital um sujeito desacordado e desacompanhado. Um pedestre o encontrou caído perto de um beco e chamou a ambulância. Ele estava com os documentos e era paciente de um dos cardiologistas daqui da nossa cidade. Esse cardiologista se lembrava vagamente desse sujeito, e disse que ele tinha alergia a alguns medicamentos, mas não se lembrava quais. Como ele estava viajando para um congresso, seu consultório estava fechado – e a secretária aproveitou a viagem dele para viajar também.

Ou seja, não havia quem pudesse ir ao consultório para imprimir a ficha do rapaz e ver que alergias ele tinha. Como a condição dele piorou, o jeito foi testar e arriscar, na medida do possível. Um dos remédios para controlar a pressão que o plantonista aplicou era um dos proibidos – e o rapaz entrou em coma, situação que está durando até hoje.

Até onde era evitável?

Fiquei extremamente aborrecido com o que aconteceu. Uma informação importante como aquela e não tinha ninguém que pudesse acessá-la? Fui até o diretor para conversar sobre isso e perguntei por que ninguém havia tentado acessar do próprio hospital. “Porque aqui no hospital não temos esse sistema de prontuário eletrônico do paciente instalado”, ele me disse.  Estranhei e perguntei o motivo, e a resposta foi: “não é necessário”.

Havia um sujeito em coma internado ali conosco por falta de acesso às informações dele e o diretor me responde dessa maneira?? Não consegui me conter e iniciei uma discussão com ele – que, a bem da verdade, nem sabia quem era o tal paciente. Só tinha “ouvido falar”, mas não procurou saber mais nada a respeito.

Daí em diante, comecei uma briga muito séria lá dentro para conseguir autorização e recursos para instalar uma cópia do programa e passar a disponibilizar o acesso aos prontuários dos pacientes, fosse pelos médicos plantonistas, fosse pelos próprios médicos de cada paciente. O importante era ter acesso a todo o histórico clínico dos pacientes do hospital para que casos assim não acontecessem nunca mais. Eu fiquei realmente fulo da vida com o que tinha acontecido.

Quem era o paciente?

Em uma semana, consegui uma reunião com a diretoria toda, inclusive o setor financeiro. Estava com o orçamento do programa de prontuário eletrônico em mãos e uma lista de todos os benefícios que traríamos ao hospital e aos seus pacientes com a instalação do mesmo.

No dia da reunião, entretanto, o diretor não compareceu. Ele tinha ido ao CTI visitar um cunhado que estava em coma havia vários dias, por alergia medicamentosa. Sim, era o rapaz que chegou desacordado. Ele só soube quem era quatro dias depois, quando uma das enfermeiras foi informá-lo de que ainda não haviam conseguido contatar a família do paciente – e para resolver o problema, ele finalmente perguntou o nome do paciente. Que jeito de descobrir…

Terminamos a reunião com a conclusão de que deveríamos instalar o programa lá sim, e que o orçamento permitia que isso fosse feito. Com a ata assinada por todos, procurei o diretor no dia seguinte, que praticamente assinou sem ler, consentindo com o investimento e a instalação do prontuário eletrônico.

O atendimento melhorou muito depois da instalação, sendo que os próprios médicos passaram a ter mais segurança no tratamento de cada paciente ali, sabendo que todas as informações sobre eles estavam à mão. A pressão diminuiu e os casos de crises alérgicas provocadas por medicamentos caiu muito.

Mas o cunhado do diretor, esse ainda não saiu do coma.

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