
O assunto “consciência ecológica” já está circulando pelas escolas há vários anos, mas há pouco tempo é que conquistou as rodas de conversa, os debates acadêmicos e a preocupação das empresas (mesmo que seja, em alguns casos, só pra ficarem bem na foto, mas já é um começo). Mas para a sorte do planeta, as crianças que tiveram contato com esse assunto há tantos anos veio com essa ideia na cabeça e são mais conscientes da situação ambiental que há hoje e do que é necessário para tentar reverter esse quadro.
Uma daquelas crianças eu conheço bem. Rita de Cássia, uma aluna que tive em seus primeiros anos de faculdade. Ela cursava Química e era extremamente voltada para as questões ambientais, inclusive direcionando seus estudos para este campo – particularmente na deterioração do petróleo em derramamentos no mar. Como muitos estudantes, ela se formou mas não conseguiu um bom emprego logo de cara – porém conseguiu entrar em um projeto de pesquisa de um colega meu de departamento. Com as constantes visitas de Ritinha (como a chamamos), acabamos desenvolvendo laços de amizade. Por causa disso, muitas vezes ela me visitava para que eu emprestasse alguns livros de química orgânica que poderiam ajudá-la nas pesquisas, outra vezes ela me convidava para ir à sua casa para ver os jardins verticais que ela montara na varanda do apartamento usando ripas de paletes de madeira como base de apoio dos vasos.
Vivendo a reciclagem
Na verdade, Ritinha respirava reciclagem e uso de materiais alternativos em todos os espaços que podia. Seu sofá e sua cama, a exemplo do jardim vertical, também eram feitos com paletes de madeira, que ela empilhava com precisão e depois colocava o colchão (ou almofadões) sobre eles. As ervas que ela usava na cozinha nunca eram compradas em envelopinhos plásticos mas, sim, a granel em casas especializadas e também nas feiras livres (e ela sempre levava os mesmos saquinhos de tecido para comprar o novo estoque, cada um com uma cor e com o nome do tempero; era a coqueluche da feira). Fazia o mesmo com o arroz e o feijão, principalmente depois que achou uma pequena mercearia de bairro que vendia estes produtos em grandes sacarias de algodão cru.
Na cozinha dela, aliás, pouca coisa se perdia. Restos de alimentos e cascas de frutas, se não podiam ser convertidos em outros alimentos, eram grosseiramente triturados e misturados a um pouco de terra úmida em um grande vaso. Essa mistura era usada, então, como adubo em sua pequena hortinha (que também ficava na varanda) e na hora da casa da mãe, que tinha um grande quintal e sempre demandava uma quantidade generosa de adubo orgânico. E esse da Ritinha parecia milagroso!
Por influência dela, aliás, sua mãe passou a fazer artesanato com ripas de madeira pintada. Ela era figura conhecida nas madeireiras que fabricavam e vendiam paletes novos e revendiam os usados. Quanto mais desgastado e quebrado, mais ela gostava! Dizia que havia uma certa poesia naquelas ripas quebradas e cheias de farpas. Coisa de artista. Mas de fato, depois de passarem por suas mãos habilidosas, pareciam que tinha sido quebradas daquele jeito de propósito.
Ensinando a reciclagem em escolas infantis
Ritinha não parava por aí. Com seu talento nato de argumentar e convencer as pessoas, dava aulas de reciclagem em duas ou três escolinhas infantis do bairro, ensinando a guardar restinhos de frutas que comiam no recreio, misturar com a terra e esperar o tempo certo pra usar aquela mistura na hora de casa. Também falava sobre coleta seletiva de lixo – aliás, montou um projeto de lixeiras para coleta seletiva para estas escolas, que fizeram tanto sucesso que algumas crianças passaram a cobrar que os pais as instalassem em casa também. A princípio gerou um grande problema, já que a maioria mora em apartamentos pequenos e sem espaço para tanta lixeira. Mas as professoras entraram na conversa e estimularam as crianças a fabricar suas próprias lixeirinhas, pequenas mais muito práticas, feitas com sacolinhas coloridas.
Ritinha chegou a ensinar as crianças a fazer o tal jardim vertical usando ripas de paletes de madeira, já que era relativamente simples – mas o sofá e a cama ela achou quer seria um pouco demais, já que poderia causar grandes confusões na casa das crianças (imagine elas pedindo aos pais que fizessem suas camas de palete?). Às vezes ela se envolvia tanto com essas escolinhas que faltava às reuniões do projeto da faculdade. E às vezes se envolvia tanto com esse projeto que sumia por algumas semanas das escolinhas. “Sou uma só”, ela sempre dizia, “mas se eu fosse mais de uma, estaria fazendo as mesmas coisas, com certeza!”.
E eu, fazer o quê? Só podia rir das situações inusitadas em que ela se metia em sua busca por uma vida mais sustentável e ecologicamente correta e incentivá-la a continuar, além de continuar emprestando meus livros (já que ela estava se saindo muito bem nas pesquisas). Deviam existir mais Ritinhas como ela… O mundo bem que agradeceria.