
A menos que você tenha algo muito legal na garagem e se recuse a ouvir qualquer outra coisa diferente do ronco do motor, é bem provável que você tenha um sistema de som instalado no carro. Mas quando isso começou e como tudo se transformou no que temos hoje? O primeiro som automotivo foi o Motorola 5T71, lançado em 1930 pela Galvin Manufacturing Company. A ideia era tornar as viagens solitárias de carro menos entediantes. O nome veio da junção de motor (em alusão aos carros) e o sufixo -ola, na época popularmente associado a sistemas de áudio como “radiola”. Era apenas um rádio AM valvulado, com um pequeno dia para ser preso à coluna de direção e um alto-falante com caixa de madeira. Custava 130 dólares, quase 10% do preço de um carro na época. A popularidade do sistema transformou o nome Motorola em marca registrada. Na Europa, a primazia foi da Blaupunkt, que em 1932 instalou um rádio em um Studebaker, e no ano seguinte os ingleses Crossley passaram a oferecer um rádio como opcional em seus modelos.
A década de cinquenta revolucionou o som automotivo e o modelou como o conhecemos hoje. A primeira das revoluções foi o rádio FM, lançado pela Blaupunkt em 1952. Um ano depois a rival Becker lançou seu clássico México, o primeiro rádio automotivo com sintonizador de duas bandas (AM/FM) e também o primeiro a ter um sistema de busca automática de estações. O sistema era relativamente simples: o botão de busca reduzia a sensibilidade do receiver, enquanto um motor elétrico girava o dia até que a recepção de um sinal mais forte o parasse. Na mesma época a Ford lançou o sistema Town and Country, que fazia basicamente o mesmo.
Em 1955 a Chrysler lançou o primeiro sistema a usar uma mídia externa. Não eram fitas nem cartuchos, como você deve ter imaginado, mas sim um tocador de discos de vinil !. Batizado de Highway Hi-Fi, ele era, resumidamente, uma vitrola que funcionava em rotações mais baixas (16,66 RPM) e tinha o braço da agulha reprojetado e balanceado para não riscar os discos nem pular músicas nas irregularidades do piso. Funcionava surpreendentemente bem, mas a um preço muito caro: como os discos giravam mais devagar, foi preciso desenvolver um sistema proprietário chamado que limitou a oferta de discos e, consequentemente, a demanda pelo opcional. O maior problema, contudo, era a fragilidade decorrente da complexidade do mecanismo, e por isso a Chrysler tirou o sistema de catálogo em 1959.
Outros fabricantes como a CBS e a Philips tentaram fazer os seus toca-discos automotivos, também sem sucesso. Mas a ideia de ouvir suas próprias gravações no carro já estava lançada.
1960: transistores, cartuchos e estereofônicos.
Os alemães da Becker voltaram a inovar e, em 1963, lançaram o Monte Carlo, o primeiro rádio automotivo totalmente transistorizado. Os transistores simplificaram os circuitos e tornaram os rádios mais compactos, robustos e duráveis.
Até o fim da década o efeito estereofônico, que dividia o áudio em dois canais e já era conhecido há muito tempo, só podia ser reproduzido em cinemas ou aparelhos domésticos. Ele chegou aos carros em 1969, quando foi lançado o Becker Europa, o primeiro rádio com dois canais amplificados para automóveis.
Ano 1970: você é o DJ
A grande inovação da década de setenta não foi tecnológica, e sim cultural. As fitas cassete já eram bastante utilizadas em gravadores domésticos e profissionais quando alguém pensou em criar um rádio automotivo capaz de reproduzi-las. Os cassetes eram mais práticos de armazenar e tinham mais qualidade que os cartuchos, mas a principal vantagem era que você poderia gravar a fita com as músicas que mais gostasse.
Em 1965 Ford e Motorola se uniram para produzir um sistema mais simples baseado em mídias externas. Neste caso, um cartucho de fita magnética com oito pistas (o chamado eight-track nos EUA) enrolada em uma única bobina, o que permitia a reprodução contínua da fita, contudo, cada vez que a fita chegava ao seu final o cabeçote de leitura reposicionava-se para ler as pistas seguintes, e por isso era necessário reorganizar a ordem das músicas para evitar cortes súbitos.
Surgiu assim a cultura da “mixtape“, que marcou as décadas seguintes, e perdura até hoje com pen-drives e cartões de memória no lugar das fitas. Pela primeira vez os fabricantes aftermarket roubam a cena e os rádios, alto-falantes e amplificadores de marcas como Pioneer e Nakamichi tornam-se sonhos de consumo e símbolos de status entre os fãs de carros.

No Brasil, a onda dos aparelhos aftermarket consolidou-se apenas na década de oitenta. Legal mesmo era instalar tweeters piezo-elétricos, alto-falantes direcionais de duas vias, e um equalizador gráfico de sete bandas Tojo. Enquanto isso, no andar de cima do planeta Sony e Philips desenvolviam em parceria a primeira mídia digital de áudio, o Compact Disc, que chegaria aos carros em 1984 com o Sony CDX-R7. E por falar em primazias, a Becker toma a dianteira novamente em 1985 ao fornecer o Becker México Compact Disc como acessório de série para a Classe S W126 da Mercedes-Benz.
Os campeonatos de som automotivo também foram uma novidade da década: em 1981 foi realizado o primeiro deles, chamado Summertime Car Show and Sound Off Competition, que inicialmente avaliava apenas volume e qualidade sonora. A corrida dos decibéis de SPL (índice de pressão sonora) só teria início na virada para a década seguinte.
Ano 1990: multimídias
Com a abertura das importações novos carros trouxeram novas tecnologias. Os toca-fitas evoluíram para modelos eletrônicos, alguns deles conjugados com leitores de CDs, outros com o inédito recurso controlador de CD-changer, a grande novidade da década.
Quase na virada do século, em 1998, uma pequena empresa britânica chamada Empeg desenvolveu um rádio eletrônico dotado de discos rígidos para armazenar e reproduzir um formato de áudio que estava começando a se popularizar: o mp3.
Ano 2000: transição
Os tocadores de CD continuaram firmes e fortes até a primeira metade da década, mas começaram a ficar defasados quando passamos a ter Playlist imensas com centenas de mp3 em nossos computadores. De repente a praticidade dos arquivos digitais fez com que carregar dezenas de discos no carro parecesse algo antiquado demais, e logo entraram em cena os rádios com leitor de arquivos mp3, slots de cartão SD e portas USB.
Por volta da metade da década vimos a popularização dos reprodutores de DVD, quase sempre com a função de leitura de arquivos mp3 e conexões para câmeras externas e telas adicionais.
Porém, a inovação mais importante da década foi, sem dúvida, a integração com um novo Gadgets que se tornaria o player de mp3 mais bem-sucedido da história, o iPod. A BMW foi a primeira fabricante a oferecer integração com o dispositivo da Apple, em 2004. O suporte a iPod (e mais tarde ao iPhone) tornaria-se um padrão tanto nos sistemas originais de fábrica quanto nos aftermarket. Se a fita matou o cartucho, e o CD matou a fita cassete, podemos dizer que o iPod matou todo e qualquer tipo de mídia física, e foi o primeiro passo para a integração de sistemas que ocorreria na década seguinte.
Ano 2010: remodelando o futuro?
Depois de cinquenta anos capturando sinais de rádio, gravando fitas e CDs e depois transferindo arquivos digitais para discos removíveis, estamos diante de uma nova revolução do som de carros. Aliás, este termo também parece já fazer parte do passado, substituído apropriadamente por “in-car entertainment”, ou entretenimento de bordo, em uma adaptação livre.
Nesta nova década surgiram os primeiros media receivers, que dispensam os leitores ópticos e trabalham apenas com a chamada “nuvem”: entre no carro e seu Smartphone é automaticamente pareado pelo Bluetooth com o “rádio”, que identifica seus aplicativos, suas músicas, seus contatos, permitindo que tudo seja controlado e operado por uma tela no painel. Se você tiver um plano de dados bastante polpudo ou viajar por uma rodovia com sinal de wi-fi, também será possível ouvir rádios online, dispensando aquelas emissoras inconvenientes do dial.
O que esperar para os próximos anos
Imagine a seguinte cena: você aperta um botão no volante e diz “Mercedes, leve-me ao Sushi bar mais próximo”, a playlist da tela é minimizada e dá lugar a uma lista com os restaurantes da região acompanhados da classificação baseada em reviews de redes sociais e você fala o nome daquele que te agrada. A lista é substituída pelo mapa com instruções de rota para o restaurante. Na volta, o assistente “carronal” (a versão automotiva do assistente pessoal, sacaram?) recalcula a rota de volta para casa, e como é integrada com a ECU do carro, avisa que os oito litros de combustível do tanque podem não ser suficientes e lhe indica automaticamente o posto de serviços mais próximo.
Todos estes recursos já existem, e basta apenas uma forma padronizada e facilitada de integrá-los. O computador de bordo dos carros deixará de ser uma telinha burocrática e difícil de operar para se tornar algo integrado com a central multimídia e seus Gadgets pessoais. Estamos conectados há quase duas décadas, por que nossos carros seriam diferentes?
Ano 2000: transição